Aprender a ler e escrever
implica em saber operar os símbolos, imagens e ideias. Envolve a
compreensão da natureza do sistema de representação gráfica e a descoberta das
leis que regulam a leitura e a escrita. Para isso, de acordo com Ferreiro
(1985): “a criança precisa se apropriar dos objetos culturais, para depois
conseguir reinventar o sistema de representação da linguagem escrita e
conseguir trabalhar com os conteúdos procedimentais”, talvez por isso, algumas
crianças na fase de alfabetização apresentam dificuldades para compreender os
sistemas de escrita existentes que representam a sua cultura.
Assim como a invenção da
escrita foi um dos momentos mais importantes da História da Humanidade – por
meio de registros os saberes puderam ser transmitidos de geração para geração
–, a alfabetização, ou aprendizagem da leitura e escrita, é o momento mais importante
da formação escolar de uma criança. É a base para o seu percurso
intelectual e subjetivo.
Há um momento em que a
figura se torna um símbolo escrito, um caractere, uma unidade abstrata e
convencional. É quando a criança se apropria dos símbolos para representar o
que antes era apenas uma imagem e, escreve o que o outro pode ler. E, é por
meio da leitura que se efetiva a comunicação desejada de uma escrita.
Essa passagem ocorre pela
linguagem -, uma mensagem é transmitida e, só depois a escrita é pensada.
Por isso, todos os tipos de escrita têm sua base na leitura.
Criou-se um código, uma
lei, para facilitar a comunicação e o convívio com o outro. Na fase silábica,
quando a criança começa a usar um símbolo para cada som, apenas opera conscientemente
o conhecimento da organização fonológica de sua língua, por exemplo, escreve
gato = AO, bola = OA. A criança vai descobrindo as suas contradições aos poucos
e, isso não ocorre de forma regular. Aprender a escrever não é como aprender a
andar.
A criança descobre as
suas contradições quando começa a obter significação. Não há uma idade regular
para que esse processo se efetive. Obter significação compreende uma relação
com o pensamento abstrato: deduzir, interferir, generalizar, conotar, associar,
categorizar etc. E, acontece imediatamente quando o processo da leitura está
sendo adquirido. “A significação é anterior à linguagem falada e está
permanentemente implícita no processo da recepção e da expressão da linguagem
escrita” (Gibson e Levin, 1975).
Para Emília Ferreiro, a
criança aprende elaborando uma série de hipóteses sobre a construção da
escrita, através não apenas de vivências externas, mas também internas,
baseando-se em critérios segundo sua própria lógica. Há uma série de modos de
representação alfabética da linguagem e diferentes níveis de aprendizagem.
A criança irá construir
capacidades para operar com símbolos, imagens e ideias, para depois conseguir
trabalhar com os conteúdos procedimentais. O conteúdo deve ser visto pela
escola como um meio de favorecer a aprendizagem da criança não como um fim em
si mesmo.
Ler e escrever são
operações que implicam e estão implicadas no funcionamento psíquico do sujeito.
Ler e escrever é subjetivar-se; implica numa relação com o outro e numa posição
diante do outro que quer lhe ensinar algo. É trabalho de um sujeito convocado a
simbolizar, a partir das leis convencionais de leitura e escrita, de acordo com
os traços que constituem seu inconsciente.
A Leitura e escrita é um
trabalho de troca, substituição (sublimação ou simbolização). É algo
complexo, por isso, há muitos estudos sobre a questão de como se dá o processo
de aprendizagem.
No final do século XIX o
médico neuro-psiquiatra americano Samuel T. Orton se interessou por entender
como se dava às aprendizagens e, o porquê de algumas crianças apresentarem
dificuldades no momento da alfabetização. Nessas buscas, promoveu o conceito
“dislexia do desenvolvimento” que foi amplamente divulgado, lançando assim, a
ideia de que as dificuldades de aprendizagens ou basicamente de leitura (trocas
assimétricas) poderia ser uma disfunção cerebral. Apesar de não ter até hoje
comprovação científica, muitos se interessaram pelo título e, há supostos
tratamentos medicamentosos que se dizem ser eficazes para casos diagnosticados
como “distúrbios neurológicos relacionados à aprendizagem escolar”. Inclusive
há centros de estudos, associações voltados à essa descoberta do século.
A partir daí surgiram
outros rótulos como “Déficit de atenção”, “hiperatividade” e, muitos
profissionais da área neurológica oferecem terapias e formas de tratamento
eficazes para os tais “Transtornos” ou “distúrbios” relacionados às
contradições no momento da alfabetização.
As questões cognitivas
ou, formas diferentes de aprender passam a ser tema de estudos das
neuropsiquiatrias desde então, pois, isso os intriga. O que não acontece de
forma regular, dentro da idade, é visto como “distúrbios de aprendizagem” ou
“transtornos de aprendizagem”. Logo, as crianças que não respondem ao sistema
ou ao que foi convencionado têm um problema. Ainda, os mais agitados,
mais dispersos, ou os que fazem mais barulho são os “hiperativos”.
Essas crianças passam a
ter tratamento especial, individualizado. São excluídas do grupo. Ainda hoje,
em algumas escolas do Ensino Público há as tais salas especiais e, muitas
crianças são tratadas por neurologistas, psiquiatras nas unidades do CAPS
(Centro de Atenção Psicossocial).
Esses rótulos infundados
discrimina a criança, separam-nas do grupo e, pode desencadear alguns
transtornos reais à criança e a família. O rótulo não ajuda, dificulta o ensino
e o processo de aprendizagem da criança.
Quando a criança é
rotulada e permanece por um longo período no lugar de quem “não sabe”,
ela é excluída; é olhada como diferente; permanece num lugar de incapaz.
A escola, a família e a própria criança assume que “não pode”. Essa criança vai
ser tratada ou atendida dentro das suas possibilidades e, ficará impedida de
evoluir no seu processo de aprendizagem e, as consequências são desastrosas
para a sua vida.
Parece que nomearam as
“contradições” -, comuns há algumas crianças em fase de alfabetização. Talvez,
isso ocorreu no momento em que a escola não soube nomear as manifestações
apresentadas por algumas crianças e, delegou isso à área médica como
psicólogos, neurologistas.
Muitas questões
cognitivas que são da ordem da linguagem ainda são tratadas pela área médica
como “disfunção neurológica”, e os casos mais críticos, do ponto de vista
médico, seguem com encaminhamentos irresponsáveis para psiquiatras.
A questão não é buscar
incessantemente o fora do normal. As especulações acerca
dos problemas cognitivos sempre existiram, mas, hipóteses infundadas podem
afetar de fato o processo de aprendizagem da criança e, trazer implicações no
seu comportamento emocional, desenvolvimento cognitivo, subjetivo e, sérias
complicações no seu aprendizado.
A aquisição da linguagem
não pode ser entendida de forma isolada do desenvolvimento infantil e
individual de cada criança, pois as aprendizagens não ocorrem de forma regular
para todas as crianças. A entrada na escola marca uma série de mudanças
na pequena criança, no que se refere ao surgimento do simbolismo e a maneira de
relacionar-se com o mundo. A criança precisa já ter desenvolvido a capacidade
de simbolizar, de significar, isso indica uma nova maneira de apropriar-se da
realidade. Se ainda não adquiriu, isso não quer dizer que ela tenha um
problema.
O ato de ensinar é um
trabalho de observação, e exige um olhar observador, atento, comprometido
e, respeito à verdade de cada caso.
A comunicação, de um modo
geral, é um processo evolutivo. O papel da linguagem no desenvolvimento
cognitivo tem sido discutido por diferentes aportes teóricos. Nas linhas
cognitivistas a linguagem é entendida como parte da cognição, uma forma de
representação, porque permite ao sujeito evocar verbalmente objetos e
acontecimentos ausentes. Nesse sentido, é a criança que constrói a sua
linguagem no seu tempo. Um dos fatores indispensáveis para o surgimento da
representação é a criança conseguir representar objetos ausentes. Ela não
precisa, por exemplo, ver uma mesa para escrever “mesa”. Esta proposta valoriza
o aspecto motor, uma vez que pressupõe o surgimento do simbolismo após a
passagem pelos estágios do período Sensório-Motor Piaget (1970).
Piaget defende que o
aparecimento do simbolismo depende da evolução da inteligência sensório-motora
pré-verbal. A linguagem nasce da interiorização dos esquemas sensório-motores
produzidos pela experimentação ativa da criança com seu meio. Há uma elaboração
contínua de novas estruturas adquiridas pela criança, que servem para interação
e compreensão do meio, para que ela aprenda o que querem que ela aprenda. A
linguagem será construída mediante essa interação entre criança, o seu meio
privativo e o social, como é o caso da escola. A criança vai se mostrando
como um reflexo das capacidades cognitivas adquiridas até então e, vai
construindo os seus esquemas de linguagem.
As crianças em fase de
alfabetização sempre foram o foco dos encaminhamentos para diagnósticos e
intervenções, o que denota que o "problema" está sempre focalizado na
criança e não, no sistema da escola, na didática da professora, na dinâmica da
família.
Nesse sentido, algumas
afirmações que dizem respeito a um percentual elevado de crianças disléxicas,
com “déficit de atenção” ou hiperativas tornam-se duvidoso, uma vez que
qualquer mudança nos critérios utilizados por esses profissionais da área
médica poderia mudar radicalmente esta percentagem. Pois, embora esses termos
ou rótulos venham sendo amplamente divulgados, no entanto, nem sempre é
explicativo e útil para o desenvolvimento da criança e para os profissionais da
educação, pois, é preciso atuar com a certeza de que cada sujeito é único, tem
a sua forma própria de aprender e, há o sujeito epistêmico e o desejante.
Os
rótulos e os termos “dislexico (sem léxico, ou sem palavra)”, “déficit de
atenção” e “hiperatividade” vem sendo usados de forma indiscriminada, ou seja,
se a criança não acompanha o processo, logo, tem um problema, uma disfunção ou
um transtorno. Se a criança é muito ativa, ansiosa por desbravar os espaços, as
atenções, faz mais barulho, logo, é hiperativa.
Diante destes diferentes
pressupostos, não subestimo que seja difícil para os profissionais que lidam
com crianças em fase de alfabetização, compreender qual a natureza das
dificuldades e qual deve ser a intervenção mais adequada, mas, basta
entender que cada caso é um caso e tudo depende da verdade de cada
caso. Assumir que não dá conta e procurar ajuda é um ato de responsabilidade.
Muitas crianças que
apresentam dificuldades no seu processo de aprendizagem, não são portadoras de
nenhuma “patologia”, na maioria das vezes, há o desconhecimento de
"coisas" que ela ainda não aprendeu. Faltam-lhes conhecimentos
básicos necessários para aquela aprendizagem. Há algo fundamental que ela ainda
não aprendeu. Ela só precisa fazer algumas descobertas que ainda não fez.
As primeiras dificuldades
surgem na escola, pois, é ali que a criança vai utilizar o que aprendeu até
então e, o reconhecimento das características precocemente e, os
encaminhamentos a profissionais competentes no assunto são garantias de que
poderá evoluir no seu processo de aprendizagem.
As nomeadas “dificuldades
de aprendizagem” aparecem por volta dos 8 ou 9 anos de idade, quando a criança
começa enfrentar temas acadêmicos mais complexos, as notas ficam baixas e há um
desempenho escolar insatisfatório. Algumas características podem ser
observadas logo no início da alfabetização, outras, no decorrer do processo,
como: leitura lenta, segmentada, sem modulação, sem ritmo e sem domínio da
compreensão/interpretação do texto lido; trocas de algumas letras; sérios erros
ortográficos; concentração; retenção da informação; memória; dificuldades no
manuseio de dicionários e mapas; dificuldades de copiar do quadro ou de livros;
nomeação de objetos; tempo para realização das tarefas; noção de tempo
cronológico, espaço físico; tendência de uma escrita descuidada, desordenada e
às vezes incompreensível; não utilização de sinais de pontuação/acentuação
gramaticais, inversões, omissões de letras, reiterações e substituições de
letras, palavras ou sílabas na leitura e na escrita.
Algumas características
apresentadas pela criança são comuns numa primeira etapa da aprendizagem e,
podem ser identificadas logo no início -, podem ser erros considerados normais
no processo de ensino-aprendizagem ou questões cognitivas. É preciso saber
distinguir as contradições iniciais e comuns das dificuldades mais complexas,
constantes, contínuas que envolve outras atenções e olhares mais atentos.
A Escola, principalmente
a pública, precisa lançar um olhar mais criterioso diante da frequência na
ocorrência dos casos dos diagnósticos de Dislexia, Déficit de atenção em vários
graus de severidade. Há necessidade desse esclarecimento e de mais informações
por parte dos profissionais da área de linguagem como pedagogo, psicopedagogo
ou fonoaudiólogos.
No Ensino Privado, já é
comum o encaminhamento nos casos mais complexos para um diagnóstico
psicopedagógico ou uma avalição do nível sensorial, físico e emocional da
criança antes de qualquer outro encaminhamento. Na maioria dos casos, trata-se de
uma questão rotineira do processo de alfabetização ou uma característica
própria da criança que exige uma atenção mais individualizada, um olhar mais
atento.
As questões da Educação
devem ter tratadas na Educação -, avaliadas por profissionais especializados
em linguagem para obter um diagnóstico seguro e responsável. As hipóteses
infundadas podem gerar outras questões que afetam de fato o processo de ensino
e a evolução no processo de aprendizagem da criança.
As termologias
“Dislexia”, “Déficit de Atenção” e hiperatividade” têm produzido uma sonoridade
de patologia e, produzido um desconforto para a criança e para a família e,
desencadeado de fato um “problema” para a criança, família e escola, com outras
manifestações comportamentais que afetam o processo de aprendizagem e o
desenvolvimento emocional da criança.
Algumas crianças fazem
mais barulho do que outras...Outras são mais lentas....Outras não estão prontas
para aprender o que querem que ela aprenda naquele momento. Outras, estão em um
sistema educativo que não é adequado ao seu perfil, etc.
Os profissionais da
educação têm uma responsabilidade gigantesca na formação das crianças; precisam
ser criteriosos; ter um olhar atento às dificuldades apresentadas; devem agir
com responsabilidade e, tratar as questões que são da área da Educação na
Escola, com profissionais da área de linguagem.
A orientação e o
atendimento orientado, e, pautado em uma ética sem rigor obsessivo previne a
exposição desnecessária da criança, os desconfortos na família e na escola e a
permanência da criança por longo período no lugar de quem “não sabe” e “não
pode aprender”. Entre outros fatores, considere a história de vida
daquele aluno, buscando levantar hipóteses sobre as possíveis causas de
não responder aos conteúdos programáticos da série em que está inserido.
Os pedagogos ou
professores alfabetizadores precisam atuar com a certeza de que se a criança
não pode aprender da maneira que ensinam então, devem ensinar da maneira que
elas aprendem. Há sempre uma forma diferente de ensinar e aprender.
Maria Teixeira,
Psicopedagoga, especialista em Linguagem com leituras
em Freud e Lacan
m.teixeira@uol.com.br
https://plus.google.com/u/0/+MariaTeixeirapsicopedagogaSPaulo/posts
Segue anexo os links dos meus mais recentes trabalhos...
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