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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Dislexia, dificuldades de aprendizagem ou outra forma de aprender?

       Aprender a ler e escrever implica em saber operar os símbolos, imagens e ideias.  Envolve a compreensão da natureza do sistema de representação gráfica e a descoberta das leis que regulam a leitura e a escrita.   Para isso, de acordo com Ferreiro (1985): “a criança precisa se apropriar dos objetos culturais, para depois conseguir reinventar o sistema de representação da linguagem escrita e conseguir trabalhar com os conteúdos procedimentais”, talvez por isso, algumas crianças na fase de alfabetização apresentam dificuldades para compreender os sistemas de escrita existentes que representam a sua cultura.  
Assim como a invenção da escrita foi um dos momentos mais importantes da História da Humanidade – por meio de registros os saberes puderam ser transmitidos de geração para geração –, a alfabetização, ou aprendizagem da leitura e escrita, é o momento mais importante da formação escolar de uma criança.  É a base para o seu percurso intelectual e subjetivo. 
Há um momento em que a figura se torna um símbolo escrito, um caractere, uma unidade abstrata e convencional. É quando a criança se apropria dos símbolos para representar o que antes era apenas uma imagem e, escreve o que o outro pode ler. E, é por meio da leitura que se efetiva a comunicação desejada de uma escrita.    
Essa passagem ocorre pela linguagem -, uma mensagem é  transmitida e, só depois a escrita é pensada. Por isso, todos os tipos de escrita têm sua base na leitura.   
Criou-se um código, uma lei, para facilitar a comunicação e o convívio com o outro. Na fase silábica, quando a criança começa a usar um símbolo para cada som, apenas opera conscientemente o conhecimento da organização fonológica de sua língua, por exemplo, escreve gato = AO, bola = OA. A criança vai descobrindo as suas contradições aos poucos e, isso não ocorre de forma regular. Aprender a escrever não é como aprender a andar.
A criança descobre as suas contradições quando começa a obter significação. Não há uma idade regular para que esse processo se efetive. Obter significação compreende uma relação com o pensamento abstrato: deduzir, interferir, generalizar, conotar, associar, categorizar etc. E, acontece imediatamente quando o processo da leitura está sendo adquirido.   “A significação é anterior à linguagem falada e está permanentemente implícita no processo da recepção e da expressão da linguagem escrita”  (Gibson e Levin, 1975). 
Para Emília Ferreiro, a criança aprende elaborando uma série de hipóteses sobre a construção da escrita, através não apenas de vivências externas, mas também internas, baseando-se em critérios segundo sua própria lógica. Há uma série de modos de representação alfabética da linguagem e diferentes níveis de aprendizagem.   
A criança irá construir capacidades para operar com símbolos, imagens e ideias, para depois conseguir trabalhar com os conteúdos procedimentais. O conteúdo deve ser visto pela escola como um meio de favorecer a aprendizagem da criança não como um fim em si mesmo.
Ler e escrever são operações que implicam e estão implicadas no funcionamento psíquico do sujeito. Ler e escrever é subjetivar-se; implica numa relação com o outro e numa posição diante do outro que quer lhe ensinar algo. É trabalho de um sujeito convocado a simbolizar, a partir das leis convencionais de leitura e escrita, de acordo com os traços que constituem seu inconsciente.
A Leitura e escrita é um trabalho de troca, substituição (sublimação ou simbolização).   É algo complexo, por isso, há muitos estudos sobre a questão de como se dá o processo de aprendizagem.     
No final do século XIX o médico neuro-psiquiatra americano Samuel T. Orton se interessou por entender como se dava às aprendizagens e, o porquê de algumas crianças apresentarem dificuldades no momento da alfabetização. Nessas buscas, promoveu o conceito “dislexia do desenvolvimento” que foi amplamente divulgado, lançando assim, a ideia de que as dificuldades de aprendizagens ou basicamente de leitura (trocas assimétricas) poderia ser uma disfunção cerebral. Apesar de não ter até hoje comprovação científica, muitos se interessaram pelo título e, há supostos tratamentos medicamentosos que se dizem ser eficazes para casos diagnosticados como “distúrbios neurológicos relacionados à aprendizagem escolar”. Inclusive há centros de estudos, associações voltados à essa descoberta do século. 
A partir daí surgiram outros rótulos como “Déficit de atenção”, “hiperatividade” e, muitos profissionais da área neurológica oferecem terapias e formas de tratamento eficazes para os tais “Transtornos” ou “distúrbios” relacionados às contradições no momento da alfabetização.   
As questões cognitivas ou, formas diferentes de aprender passam a ser tema de estudos das neuropsiquiatrias desde então, pois, isso os intriga. O que não acontece de forma regular, dentro da idade, é visto como “distúrbios de aprendizagem” ou “transtornos de aprendizagem”. Logo, as crianças que não respondem ao sistema ou ao que foi convencionado têm um problema.  Ainda, os mais agitados, mais dispersos, ou os que fazem mais barulho são os “hiperativos”.
Essas crianças passam a ter tratamento especial, individualizado. São excluídas do grupo. Ainda hoje, em algumas escolas do Ensino Público há as tais salas especiais e, muitas crianças são tratadas por neurologistas, psiquiatras nas unidades do CAPS        (Centro de Atenção Psicossocial).
Esses rótulos infundados discrimina a criança, separam-nas  do grupo e, pode desencadear alguns transtornos reais à criança e a família. O rótulo não ajuda, dificulta o ensino e o processo de aprendizagem da criança.
Quando a criança é rotulada e permanece por um longo período no lugar de quem “não sabe”,  ela é excluída; é olhada como diferente; permanece num lugar de incapaz. A escola, a família e a própria criança assume que “não pode”. Essa criança vai ser tratada ou atendida dentro das suas possibilidades e, ficará impedida de evoluir no seu processo de aprendizagem e, as consequências são desastrosas para a sua vida.  
Parece que nomearam as “contradições” -, comuns há algumas crianças em fase de alfabetização. Talvez, isso ocorreu no momento em que a escola não soube nomear as manifestações apresentadas por algumas crianças e, delegou isso à área médica como psicólogos, neurologistas.
Muitas questões cognitivas que são da ordem da linguagem ainda são tratadas pela área médica como “disfunção neurológica”, e os casos mais críticos, do ponto de vista médico, seguem com encaminhamentos irresponsáveis para psiquiatras.
A questão não é buscar incessantemente o fora do normal.      As especulações acerca dos problemas cognitivos sempre existiram, mas, hipóteses infundadas podem afetar de fato o processo de aprendizagem da criança e, trazer implicações no seu comportamento emocional, desenvolvimento cognitivo, subjetivo e, sérias complicações no seu aprendizado.
A aquisição da linguagem não pode ser entendida de forma isolada do desenvolvimento infantil e individual de cada criança, pois as aprendizagens não ocorrem de forma regular para todas as crianças.   A entrada na escola marca uma série de mudanças na pequena criança, no que se refere ao surgimento do simbolismo e a maneira de relacionar-se com o mundo. A criança precisa já ter desenvolvido a capacidade de simbolizar, de significar, isso indica uma nova maneira de apropriar-se da realidade. Se ainda não adquiriu, isso não quer dizer que ela tenha um problema.
O ato de ensinar é um trabalho de observação, e exige um  olhar observador, atento, comprometido e,  respeito à verdade de cada caso.   
A comunicação, de um modo geral, é um processo evolutivo. O papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo tem sido discutido por diferentes aportes teóricos. Nas  linhas cognitivistas a linguagem é entendida como parte da cognição, uma forma de representação, porque permite ao sujeito evocar verbalmente objetos e acontecimentos ausentes. Nesse sentido, é a criança que constrói a sua linguagem no seu tempo. Um dos fatores indispensáveis para o surgimento da representação é a criança conseguir representar objetos ausentes. Ela não precisa, por exemplo, ver uma mesa para escrever “mesa”. Esta proposta valoriza o aspecto motor, uma vez que pressupõe o surgimento do simbolismo após a passagem pelos estágios do período Sensório-Motor Piaget (1970).
Piaget defende que o aparecimento do simbolismo depende da evolução da inteligência sensório-motora pré-verbal. A linguagem nasce da interiorização dos esquemas sensório-motores produzidos pela experimentação ativa da criança com seu meio. Há uma elaboração contínua de novas estruturas adquiridas pela criança, que servem para interação e compreensão do meio, para que ela aprenda o que querem que ela aprenda. A linguagem será construída mediante essa interação entre criança, o seu meio privativo e o social, como é o caso da escola.  A criança vai se mostrando como um reflexo das capacidades cognitivas adquiridas até então e, vai construindo os seus esquemas de linguagem.
As crianças em fase de alfabetização sempre foram o foco dos encaminhamentos para diagnósticos e intervenções, o que denota que o "problema" está sempre focalizado na criança e não, no sistema da escola, na didática da professora, na dinâmica da família.

Nesse sentido, algumas afirmações que dizem respeito a um percentual elevado de crianças disléxicas, com “déficit de atenção” ou hiperativas tornam-se duvidoso, uma vez que qualquer mudança nos critérios utilizados por esses profissionais da área médica poderia mudar radicalmente esta percentagem. Pois, embora esses termos ou rótulos venham sendo amplamente divulgados, no entanto,  nem sempre é explicativo e útil para o desenvolvimento da criança e para os profissionais da educação, pois, é preciso atuar com a certeza de que cada sujeito é único, tem a sua forma própria de aprender e, há o sujeito epistêmico e o desejante.
      Os rótulos e os termos “dislexico (sem léxico, ou sem palavra)”, “déficit de atenção” e “hiperatividade” vem sendo usados de forma indiscriminada, ou seja, se a criança não acompanha o processo, logo, tem um problema, uma disfunção ou um transtorno. Se a criança é muito ativa, ansiosa por desbravar os espaços, as atenções, faz mais barulho, logo, é hiperativa.
Diante destes diferentes pressupostos, não subestimo que seja difícil para os profissionais que lidam com crianças em fase de alfabetização, compreender qual a natureza das dificuldades e qual deve ser a intervenção mais adequada, mas, basta  entender que  cada caso é um caso e tudo depende da verdade de cada caso. Assumir que não dá conta e procurar ajuda é um ato de responsabilidade.
Muitas crianças que apresentam dificuldades no seu processo de aprendizagem, não são portadoras de nenhuma “patologia”, na maioria das vezes, há o desconhecimento de "coisas" que ela ainda não aprendeu. Faltam-lhes conhecimentos básicos necessários para aquela aprendizagem. Há algo fundamental que ela ainda não aprendeu. Ela só precisa fazer algumas descobertas que ainda não fez.
As primeiras dificuldades surgem na escola, pois, é ali que a criança vai utilizar o que aprendeu até então e, o reconhecimento das características precocemente e, os encaminhamentos a profissionais competentes no assunto são garantias de que poderá evoluir no seu processo de aprendizagem.    
As nomeadas “dificuldades de aprendizagem” aparecem por volta dos 8 ou 9 anos de idade, quando a criança começa enfrentar temas acadêmicos mais complexos, as notas ficam baixas e há um desempenho escolar insatisfatório.  Algumas características podem ser observadas logo no início da alfabetização, outras, no decorrer do processo, como: leitura lenta, segmentada, sem modulação, sem ritmo e sem domínio da compreensão/interpretação do texto lido; trocas de algumas letras; sérios erros ortográficos; concentração; retenção da informação; memória; dificuldades no manuseio de dicionários e mapas; dificuldades de copiar do quadro ou de livros; nomeação de objetos; tempo para realização das tarefas; noção de tempo cronológico, espaço físico; tendência de uma escrita descuidada, desordenada e às vezes incompreensível; não utilização de sinais de pontuação/acentuação gramaticais, inversões, omissões de letras, reiterações e substituições de letras, palavras ou sílabas na leitura e na escrita.
Algumas características apresentadas pela criança são comuns numa primeira etapa da aprendizagem e, podem ser identificadas logo no início -, podem ser erros considerados normais no processo de ensino-aprendizagem ou questões cognitivas. É preciso saber distinguir as contradições iniciais e comuns das dificuldades mais complexas,  constantes, contínuas que envolve outras atenções e olhares mais atentos.  
A Escola, principalmente a pública, precisa lançar um olhar mais criterioso diante da frequência na ocorrência dos casos dos diagnósticos de Dislexia, Déficit de atenção em vários graus de severidade. Há necessidade desse esclarecimento e de mais informações por parte dos profissionais da área de linguagem como pedagogo, psicopedagogo ou fonoaudiólogos.  
No Ensino Privado, já é comum o encaminhamento nos casos mais complexos para um diagnóstico psicopedagógico ou uma avalição do nível sensorial, físico e emocional da criança antes de qualquer outro encaminhamento. Na maioria dos casos, trata-se de uma questão rotineira do processo de alfabetização ou uma característica própria da criança que exige uma atenção mais individualizada, um olhar mais atento.   
As questões da Educação devem ter tratadas na Educação -,  avaliadas por profissionais especializados em linguagem para obter um diagnóstico seguro e responsável. As hipóteses infundadas podem gerar outras questões que afetam de fato o processo de ensino e a evolução no processo de aprendizagem da criança.
 As termologias “Dislexia”, “Déficit de Atenção” e hiperatividade” têm produzido uma sonoridade de patologia e, produzido um desconforto para a criança e para a família e, desencadeado de fato um “problema” para a criança, família e escola, com outras manifestações comportamentais que afetam o processo de aprendizagem e o desenvolvimento emocional da criança. 
Algumas crianças fazem mais barulho do que outras...Outras são mais lentas....Outras não estão prontas para aprender o que querem que ela aprenda naquele momento. Outras, estão em um sistema educativo que não é adequado ao seu perfil, etc.
Os profissionais da educação têm uma responsabilidade gigantesca na formação das crianças; precisam ser criteriosos; ter um olhar atento às dificuldades apresentadas; devem agir com responsabilidade e, tratar as questões que são da área da Educação na Escola, com profissionais da área de linguagem.
A orientação e o atendimento orientado, e, pautado em uma ética sem rigor obsessivo previne a exposição desnecessária da criança, os desconfortos na família e na escola e a permanência da criança por longo período no lugar de quem “não sabe” e “não pode aprender”.  Entre outros fatores, considere a história de vida daquele aluno, buscando levantar hipóteses sobre as possíveis causas de  não responder aos conteúdos programáticos da série em que está inserido.
Os pedagogos ou professores alfabetizadores precisam atuar com a certeza de que se a criança não pode aprender da maneira que ensinam então, devem ensinar da maneira que elas aprendem. Há sempre uma forma diferente de ensinar e aprender.
Maria Teixeira,
Psicopedagoga,  especialista em Linguagem com leituras em Freud e Lacan

 m.teixeira@uol.com.br

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Segue anexo os links dos meus mais recentes trabalhos...


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