O Objetivo do Blog

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A criança e a compreensão das possibilidades de construção do novo.

         Ao examinar a trajetória pela linguagem que a criança faz ao longo da infância, muito se ganha em relação à compreensão das possibilidades de construção do novo que um adulto pode vir a experimentar através de seus esforços sistemáticos. Em especial, observando a subversão da linguagem que as crianças fazem no frescor de sua enunciação que se produz de acordo com a lógica daquele para quem o sistema lingüístico não está ainda plenamente constituído. Podemos compreender que as palavras são velhas apenas na medida em que nós, os falantes adultos supõem que o signo lingüístico não se decompõe.
    Ao contrário do que acontece com o adulto, as crianças pequenas mantêm uma relação bastante diferenciada com os signos (palavras), pois, geralmente desmontam-nos para criar outros significantes, no que se refere à criação do novo, pois, ela não é prisioneira como o adulto dos significados que, vão se cristalizando ao longo de sua história. 
    Posso citar para evidenciar o exemplo, o jogo de compor e decompor. Nesse tipo de jogo os signos lingüísticos costumam gerar muito prazer àquelas crianças cujas idades estão compreendidas mais ou menos entre 04 e 10 anos, fato este que se torna visível, observando, por exemplo, as adivinhas que não cansam de repetir e, com as quais costumam se divertir entre si. Dentre um enorme conjunto deste tipo de brincadeira que circula entre elas, destaco uma que, por envolver uma complexa operação baseada na decomposição de um significante isolado de seu significado mais habitual, por exemplo, o adulto pode perguntar para a criança:
Qual é o contrário de oitenta? 
Resposta: - É tchau, desiste!

ou ainda,  na adivinhação, 

- Qual é o cavalo que mais gosta de tomar banho? 
Resposta:  - O cavalo-marinho

    A facilidade que os pequenos têm para memorizar e fazer circular este tipo especial de enigma aponta para o fato de que, confrontadas com cada signo novo (palavra), as crianças têm condições de perceber que, ao se tratar de linguagem, há muito mais do que querem que ela entenda. Como, para elas, os sentidos compartilhados numa dada comunidade lingüística ainda não são cristalizados, têm maior facilidade para depreender aquilo que Foucault (1989) chama de "o gramatical puro", podendo, portanto, deixar com que as palavras atravessem-nas de forma diferenciada. Esta permeabilidade dos pequenos à mobilidade da linguagem é o que faz com que, em sua boca, palavras gastas pelo adulto, possam comparecer de modo, no mínimo, bem mais livre, dando-lhe novo significado.  Por este motivo, alguns autores defendem que a criança reinventa a sua linguagem e supera a ingenuidade do adulto tirando proveito de sua própria ignorância quando esse não entende essa versatilidade da criança em formação.   
     Emília Ferrero, psicóloga e pesquisadora argentina, nos mostra que a criança em fase de alfabetização elabora uma série de hipóteses trabalhadas através da construção de princípios organizadores, resultados não só de vivências externas, mas, também por um processo interno. Mostra também como a criança assimila as informações disponíveis e como interpreta textos escritos antes de compreender a relação entre as letras e os sons da linguagem - na obra – “Alfabetização em Processo”.   
    Neste sentido, as crianças em formação criam seus próprios significados a cada léxico novo que lhe é apresentado. Tudo para elas tem um significado diferente, de um jeito diferente de se ver. E, essa forma é “desconexa” ao mundo do adulto, ou seja, não tem nada a ver com o modo como o adulto entende.  
     A lógica da criança é diferente da do adulto. Ela tem outra maneira de entender o mundo, outra maneira de habitar a realidade. Mas, a criança pode nos revelar muitas coisas que não conseguimos ver, simplesmente, porque elas não escolhem as palavras como os adultos e, não pensa no seu significado da mesma forma que o adulto.
    Nós adultos somos complacentes quando falamos com as crianças devia ser o contrário. Apesar de não conseguirmos adentrar nesse mundo particular dela, só conseguiremos penetrar de forma, ainda, rudimentar, se nos abaixarmos e ficarmos na altura delas. Estar à altura da criança  é se inclinar para olhar nos seus olhos, ou seja, ficar cara a cara com elas;  escutar suas dúvidas, entender suas brincadeiras, seus medos e seus desejos. 

Maria Teixeira
www.psicopedagogamariateixeira.com.br

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